Jornal ACOMARCA

sexta-feira, 25 de março de 2011

Crime é castigo

Por Erikson Walla
eriksonnh@hotmail.com

Texto dedicado à minha amada e eterna professora Eudete Almeida, uma das figuras mais sensíveis que já conheci

Quem já andou por Salvador, certamente conhece a Praça da Piedade, no centro, um dos pontos mais populares da cidade. Um lugar que traz na sombra de suas árvores gigantes uma história pouco conhecida. O local foi palco de protestos e conflitos durante a luta pela independência da Bahia. Muito sangue foi derramado ali em prol do desejo de ser livre. Não é a toa que a praça se tornou um símbolo da liberdade.

Liberdade e contradição. Hoje, por ali se encontram toda cultura,todo credo, toda gente. No entanto, há pessoas que são impedidas de transitar por lá. Ora, elas moram ali! São dezenas de famílias desabrigadas que estendem seu papelão nos bancos de mármore, criando suas crianças peladas, vivendo em condições subumanas.

As crianças peladas são muitas e, a cada dia, parecem aumentar. Não vão à escola, nem têm os cabelos penteados. Grande parte vive correndo pela praça, brincando. Outra parte trabalha. Normalmente, vendendo guloseimas para as pessoas que aguardam ônibus em um ponto que fica ali.

Uma dessas pessoas sou eu. Um dos vendedores-mirins é um menininho de mais ou menos cinco anos que não sei o nome, mas que já decorei a fisionomia por sempre vê-lo ali. Já tem um tempo que o observo. Às vezes ele aparece com um amigo, que pode ser irmão. Tem dia que vende pastilha, outro dia aparece com uma caixa de goma. O texto é o mesmo sempre: “compre pra me ajudar”.

Tem gente que nem olha. Ele também nem insiste, parece já estar acostumado. Um dia, porém, insistiu. Um casal estava no ponto com a filha que aparentava ter a mesma idade do menino. A garota tomava sorvete. Fazia muito calor, como é comum. O vendedor-mirim se aproximou e parecia desejar muito o sorvete, que era de casquinha. Ofereceu o seu produto e os adultos não deram atenção. Só a garota, que o encarava. Os pais pareciam desviar a atenção da menina e ignoravam o menino que chamava por eles.

Era uma cena que incomodava quem via. O menino chegou a puxar a blusa da senhora, para que ela o visse. Ela se virou, fez uma cara fechada, pegou a filha, chamou o marido e saiu. A garota ficou olhando pra trás, tornando a encarar o menino. Com tão pouca idade, ela aprendeu o que é o desprezo. Com tão pouca idade, ele aprendeu a dor do desprezo.

A criminologia (estudo do crime e do criminoso) aponta que uma sociedade que não dá condições de vida ao seu povo é uma sociedade de futuro incerto e indesejável. Isso porque quanto mais em situação de vulnerabilidade vive uma pessoa, maior é a chance de ela entrar no mundo do crime.

O crime, na perspectiva da criminologia moderna, é visto como um problema que nasce de outros problemas existentes no contexto em que o sujeito criminoso está inserido. Portanto, é possível afirmar que um criminoso não surge do nada, ele é fabricado. É como se o sujeito tivesse cansado de ser “desprezado” pelo sistema social e quisesse se voltar contra ele. Alguns por indignação e revolta, outros por necessidade, pois que não lhes foram oferecidas condições de sobrevivência nesse contexto excludente. O crime é um castigo que volta.

Se a sociedade não é sensível a ponto de amar o seu povo, deveria fazer isso pelo menos por esperteza. Digo isso porque desprezar, descuidar, abandonar um sujeito é uma forma de garantir que amanhã ou depois ele vai estar tocando o terror, nas ruas. Se as pessoas querem menos violência, que comecem a enxergar o outro. Só assim vai poder, pelo menos, exigir de nossos representantes uma solução. Praça da Piedade não é morada de ninguém e os políticos não só sabem disso, mas passam por lá sempre e fecham os olhos para aquelas famílias.

Quero muito estar errado, mas daqui a uns cinco anos, ou até menos, posso estar sendo assaltado por aquele menino que sempre vejo vendendo guloseimas no ponto. Ora, deixemos de hipocrisia. Ele não vai à escola, não lhe deixarão herança. Não creio que vai continuar a vida toda vendendo ali. Um dia ele vai sentir vergonha de ser uma criança pelada...

“É preciso cuidar de nossas crianças hoje para que não seja preciso punir os adultos amanhã”. Que essa máxima deixe de ser apenas uma frase bonita e faça parte de nossa consciência, sempre!

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